A crise do Madero e por que Junior Durski não pode culpar a pandemia

(Foto: Guilherme Pupo)

O Grupo Madero é reconhecido como um dos principais nomes no mercado de restaurantes brasileiro, possuindo 258 restaurantes e mais de 6 mil funcionários divididos nas marcas Madero, Jeronimo Burger, Durski, Ecoparada Madero, Madero Café, Dundee e Empório Madero.

No início da pandemia a empresa ganhou os holofotes na mídia devido as declarações infelizes do seu fundador, Junior Durski, minimizando os possíveis impactos da Covid-19 e argumentando que a empresa não deveria ser prejudicada em razão de “5 ou 7 mil pessoas que vão morrer”.

De lá para cá, a empresa acumula um prejuízo de R$ 370 milhões e um passivo de R$ 2 bilhões em seu balanço. Para completar, mais de R$ 700 milhões são representados por dívidas de curto prazo, ou seja, com vencimento previsto para esse ano e representando um risco real para a sobrevivência do negócio.

Para não ter o negócio liquidado, Durski vem buscando soluções no mercado financeiro. Inicialmente, a ideia seria a empresa realizar a abertura de capital na bolsa de valores. Contudo, com o aumento da volatilidade do mercado e o elevado estoque de dívida da empresa, a própria gestão reconhece que essa opção não é mais viável no curto prazo.

Uma nova estratégia foi formulada com a emissão de R$ 500 milhões em Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que são títulos de dívida emitidos pela empresa aos investidores no mercado financeiro. A provável utilização do recurso seria renegociar as atuais dívidas e alongar seus prazos de pagamento. Dito isso, mesmo essa estratégia não vem recebendo uma boa recepção de parte considerável dos investidores que consideram o ativo arriscado demais.

Como o Grupo Madero chegou a esse ponto?

No final de 2018, o Grupo Madero vendeu 23,3% da sua participação por R$ 700 milhões para o fundo de private equity Carlyle.  Na época foi divulgado que o recurso iria saldar dívidas e realizar investimentos em segmentos diversos da operação. Fundos de private equity como o Carlyle normalmente investem em empresas de capital fechado com intenção de expandir o seu valor de mercado e posteriormente realizar lucro vendendo sua participação com a abertura de capital na bolsa de valores.

Com a entrada do investimento, o Grupo Madero apresentou um plano de negócios agressivo: a empresa iria quintuplicar de tamanho até 2022.  Para isso, a empresa não limpou suas dívidas como previamente divulgado e alocou recursos para aumentar sua rede de lojas objetivando crescer o seu faturamento em uma taxa de 50% POR ANO.

Carlyle foi fundado por David Rubenstein, considerado uma referência no mercado financeiro. Sua empresa administra mais de 300 bilhões de dólares investidos em diferentes divisões de negócios. Foto: © Monika Flueckiger / World Economic Forum

(Carlyle foi fundado por David Rubenstein, considerado uma referência no mercado financeiro. Sua empresa administra mais de 300 bilhões de dólares investidos em diferentes divisões de negócios. Foto: © Monika Flueckiger/World Economic Forum)

Pouco tempo depois do início da execução do plano de expansão, o Grupo Madero foi negativamente afetado pela crise da pandemia como a maior parte do mercado e precisou captar mais dívida para suportar o período de lockdown.

Todavia, a empresa continuou expandindo seu número de lojas, abrindo mais 80 operações desde da chegada da Carlyle e fazendo novos investimentos em sua cozinha central.

Ou seja, enquanto expandia sua dívida para um período em que o mercado consumidor não iria corresponder em condições normais, a empresa seguiu gastando os recursos do seu caixa em novas lojas, aumentando sua necessidade de capital de giro, custos com pessoal, impostos. etc. Dessa forma, fragilizando ainda mais financeiramente a operação.

Aumentar lojas e faturamento não significa gerar retorno para o acionista

É muito comum empresários projetarem o futuro dos seus negócios através de metas relacionadas com métricas de aumento de vendas e faturamento dos seus produtos e serviços. Guiar os negócios a partir desta perspectiva pode abrir espaço para uma série de decisões que destroem o valor da empresa e o capital dos seus acionistas.

Por exemplo, uma redução forte dos preços e uma política de parcelamento agressiva podem elevar o desempenho das vendas do negócio e os números de faturamento. Por outro lado, a redução dos preços pode ter destruído as margens de lucro do negócio e o parcelamento aumentou o risco de crédito dos clientes da operação.

Em relatório publicado em novembro de 2021, o Grupo Madero deixa claro quais são os seus objetivos e os indicadores financeiros que prioriza em sua administração. Com um olhar atento de quem possui conhecimento na área de finanças corporativas é possível perceber que nenhum deles possui ligação direta com a criação de valor do negócio e podem ser ampliados em detrimento da saúde financeira da empresa.

Fonte: Release de Resultados 4ª trimestre de 2021- Madero.

1.      Crescimento do SSS:  SSS representa o indicador Same Store Sales (Vendas nas mesmas lojas). Essa métrica representa o nível de vendas que uma empresa obteve nas suas lojas que já estavam abertas, ou seja, as receitas das novas lojas abertas não afetam esse indicador.

2.      Unidade totais de restaurantes:  A empresa avalia que sua marca é subpenetrada no Brasil e possui grande potencial de expansão. Em sua projeção de 10 anos, a empresa argumenta que é possível subir o número de lojas Madero das atuais 161 unidades para mais de 400. Além disso, projeta que seria possível subir a marca Jeronimo para mais de 700 lojas (atualmente são 82 lojas).  Números ambiciosos que podem ser realistas ou não.

3.      Aumento de receita: Com o aumento das vendas nas atuais lojas e abrindo novas operações, é esperado que a receita total da operação seja ampliada. Dito isso, caso as lojas não sejam sustentáveis, a expansão do seu número pode reduzir a rentabilidade ao invés de aumentar.

4.      Aumento no EBTIDA Ajustado:  Como último indicador priorizado pela empresa, o Grupo Madero aponta o EBTIDA (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização). O EBTIDA costuma ser utilizado como um indicador do potencial de geração de caixa do negócio. Dito isso, caso não seja complementado por outros indicadores financeiros pode ser enganoso e desconsiderar variáveis como a tomada de financiamentos.

5.      Maior rentabilidade???:  Segundo a fórmula da Madero, a combinação de maior SSS, maior número de lojas, maior faturamento e maior EBTIDA significaria uma maior rentabilidade. De acordo com o release de resultados de 2021, o índice SSS já voltou aos níveis pré-pandemia, a empresa abriu 35 lojas no ano passado, obteve R$ 1,146 bilhão de faturamento (o maior de sua história) e um EBTIDA de 21,2% (10 pontos percentuais acima do ano anterior). Ou seja, todos indicadores determinados pelo Madero foram alcançados sem ter resultado em uma real recuperação do negócio.

No encontro anual com investidores da Berskshire Hathaway em 2002, Buffett declarou que não investiria em empresas que utilizam o EBTIDA como principal métrica. De acordo com o mega investidor, empresas que utilizam EBTIDA possuem maior risco de fraude do que as que não utilizam, podendo estar objetivando enganar o investidor ou enganar a si mesma quanto a realidade do negócio. (Foto: Nati Harnik/AP).

Gestão baseada em valor e reestruturação

Diferentemente do que pensa o Grupo Madero, a criação de retorno para o investidor não é proveniente do aumento do número de lojas e faturamento. E sim, do aumento do valor do negócio. Através de uma gestão baseada em valor a empresa acompanha o desenvolvimento da sua valuation através do modelo de fluxo de caixa descontado. Dessa forma, o que vai importar é a capacidade do ativo econômico de gerar fluxos de caixas e rentabilidade para seus investidores e não o número de lojas, máquinas ou de vendas que não trazem lucro para o negócio.

É por essa razão que a valuation não deve ser vista somente como um instrumento para o momento que a empresa necessita realizar uma transação de fusões & aquisições ou captar investimentos. Pelo contrário, o seu principal papel é a utilização como ferramenta de gestão e acompanhamento do negócio.

Um outro indicador com lógica similar que pode ser realizado de forma complementar na análise de desempenho da empresa é o EVA (Economic Value Added). Este indicador calcula o lucro econômico da empresa, ou seja, não basta a empresa apresentar um lucro financeiro-contábil em seus demonstrativos, é necessário que o lucro obtido seja superior ao seu custo de capital (taxa de juros ponderada entre os juros de credores e do retorno necessário para compensar o risco dos sócios) para efetivamente criar riqueza.

Outros indicadores podem ser validados como importantes para o acompanhamento do sucesso de um negócio e comentarei mais a respeito deles em um próximo texto. No entanto, a utilização de indicadores baseados na criação de valor e lucro econômico vão sempre direcionar a empresa para um caminho mais positivo do que os negócios que somente estão olhando faturamento e vendas.

Considerando esses princípios, seria recomendável, em linhas gerais, ao Grupo Madero rever sua estratégia de crescimento a qualquer custo e revisar seus investimentos em expansão, abrir mão de lojas que são inviáveis e somente inflam os números e reduzir a operação para um nível onde apresente real rentabilidade, criando maiores condições para recuperar a confiança de credores e investidores e conseguir fazer frente aos seus compromissos.


Marcelo de Arruda é administrador e economista. Pós-Graduado em Finanças, Investimento e Banking (PUC-RS). Carreira construída no mercado financeiro atuando como executivo em assessoria de investimentos, gestão de portfólio e fusões & aquisições (M&A). É o CEO e sócio-fundador do Grupo SG, que atua com negócios nas áreas de finanças, mídia, alimentação e imobiliário. Também possui três trabalhos acadêmicos em finanças reconhecidos nacionalmente em premiações realizadas por Sefaz-AL (2017), Universidade Mackenzie e IMB (2018) e CFA Society Brazil (2019).

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Marcelo de Arruda é administrador e economista. Pós-Graduado em Finanças, Investimento e Banking (PUC-RS). Carreira construída no mercado financeiro atuando como executivo em assessoria de investimentos, gestão de portfólio e fusões & aquisições (M&A). É o CEO e sócio-fundador do Grupo SG, que atua com negócios nas áreas de finanças, mídia, alimentação e imobiliário. Também possui três trabalhos acadêmicos em finanças reconhecidos nacionalmente em premiações realizadas por Sefaz-AL (2017), Universidade Mackenzie e IMB (2018) e CFA Society Brazil (2019).

Mais notícias para você