O caso Evergrande e as lições para a construção civil em Alagoas

(Foto: Bobby Yip/Reuters)

Como uma das maiores empresas de desenvolvimento imobiliário do mundo flerta com a falência e o que isso ensina ao mercado local.

A Evergrande é um dos maiores grupos privados chineses, sendo a segunda maior construtora do país e uma das mais valiosas do mundo. Eles empregam mais de 120 mil funcionários e, em 2020, tiveram faturamento de aproximadamente US$ 73,5 bilhões. Seu fundador, Xu Jiayin, está no ranking da Forbes como terceiro homem mais rico da China e trigésimo primeiro do planeta.

Atualmente o grupo passa por uma crise sem precedentes e que pode gerar desdobramentos em toda economia mundial. O relatório de contas publicado em janeiro de 2021 apontou um imenso endividamento, representando um cenário quase impossível de cumprimento das obrigações no curto e médio prazo.

Nos meses seguintes a companhia falhou na tentativa de melhorar a receita, deixando em evidência o risco de default. Esse risco foi confirmado pelas agências de avaliação de crédito, como a Moody’s, Fitch e a S&P, que rebaixaram severamente a nota da empresa indicando grande possibilidade de insolvência.

O débito atual já ultrapassa os US$ 300 bilhões e o cenário de possível calote causa uma considerável desvalorização nos papéis do grupo, não se limitando aos da divisão imobiliária.

O conglomerado conta também com um segmento de veículos elétricos, cujos papéis já desvalorizaram 92% desde sua cotação máxima, dificultando ainda mais a liquidação de outros ativos na tentativa de salvar o cenário de insolvência.

Os segmentos da corporação vão desde os esportes – através do time de futebol Guangzhou Evergrande Football Club – até o setor alimentício.

A frente imobiliária já passa por desvalorização de suas ações em mais de 70% somente nesse ano de 2021. Os bonds (títulos de dívida emitidos pela empresa) com vencimento para 2025 já são negociados a 25 centavos por dólar. Ou seja, o risco de crédito ligado aos títulos é tão alto que seus possuidores estão os vendendo por ¼ do valor a ser pago no vencimento.

Tentativas de gerar receita adicional estão sendo executadas e têm falhado até então, agravando o risco de liquidez de curto e médio prazo. Descontos altíssimos na venda de imóveis não proporcionaram aumentos na demanda.

O mercado imobiliário chinês passa por um momento de contração e, no mês de agosto, a empresa viu suas vendas caírem mais de 25% em relação ao mesmo período no ano passado.

Aliado a todos esses problemas, o custo dos insumos que fazem parte da construção civil também passou por um expressivo aumento, tornando o horizonte mais desesperador e esmaecendo as possibilidades de pagamento de fornecedores e demais credores do grupo.

O governo chinês também não dá indicativos de que tentará intervir financeiramente para salvar a empresa.

Assim, o cenário de terror da gigante Evergrande passa por diversos fatores. Endividamento desproporcional ao horizonte de receitas, mercado imobiliário pouco aquecido e aumento no preço da matéria-prima causam descompassos graves no fluxo de caixa, tornando as chances de recuperação ínfimas.

As lições para o mercado imobiliário local

Se a saúde financeira daquela que é uma das empresas de real estate mais valiosas do mundo pode sofrer tamanho revés, o que impediria pequenas e médias construtoras do nosso mercado local de encontrar destinos semelhantes? O brasileiro sempre associou ao mercado imobiliário a ideia de solidez e confiança, sendo os imóveis, inclusive aqueles comprados na planta, um dos investimentos favoritos das famílias.

Ao mesmo tempo, o mercado da construção civil no Brasil sobrevive atrelado à várias nuances. Os resultados das construtoras e incorporadoras também dependem de questões como oferta de crédito habitacional e incentivos fiscais, e ao mesmo tempo empresas do setor têm um desafio considerável ligado ao manejo do seu fluxo de caixa.

O desenvolvimento de um negócio no setor imobiliário passa por diversos momentos que requerem saídas de caixa de diferentes proporções, passando desde despesas com o terreno, o estudo da área e análise de viabilidade econômica do projeto, incorporação, desenvolvimento e execução do processo comercial, de marketing, comissionamento de vendas, até a construção em si.

(Foto: Kaio Fragoso)

Ao mesmo tempo, a entrada de receita nem sempre é previsível. Problemas que vão desde o inadimplemento de parcelas até um processo de venda em um ritmo descasado das necessidades do empreendimento podem gerar o insucesso do negócio e até da empresa como um todo.

Os momentos de grande exposição de caixa envolvidos no cronograma da obra, caso não estejam cobertos em um planejamento financeiro robusto, podem gerar insolvência e criar uma série de problemas de difícil resolução.

Além de todas as questões ligadas ao próprio planejamento, considerando o longo período que envolve o desenvolvimento de negócios nesse setor, a empresa também estará sujeita a diversos fatores externos e que nem sempre podem ser controlados, que vão desde as flutuações de preço nos insumos da construção civil, que podem sofrer grandes reajustes, até flutuações no mercado imobiliário como um todo, que está sempre sujeito aos ciclos econômicos, taxas de juros e inflação. Estes riscos se tornam ainda mais relevantes uma vez que muitas construtoras ainda recorrem ao capital próprio, tornando o empreendimento mais custoso.

Algumas ferramentas básicas podem proporcionar ao setor imobiliário uma diminuição desses riscos. O estudo de viabilidade prévio ao início ao empreendimento, o estudo de mercado entendendo as vocações da área e do consumidor local, um planejamento eficiente relacionado ao custeio, com a busca de fontes de capital alternativas são fatores importantíssimos que devem ser buscados pelas construtoras para garantir a saúde financeira dos seus empreendimentos.

Muitas vezes, construtoras recorrem ao “feeling” ou à intuição de seus executivos ao planejar novos negócios. Obviamente essa intuição vem carregada de uma experiência de mercado que é um fator importante para entender o setor localmente.

Entretanto, considerando o nível de risco envolvido nessa cadeia produtiva, o primeiro erro – que as vezes demora a chegar – pode também ser o último.

Por isso, se faz importante validar essa intuição utilizando as ferramentas de inteligência de mercado e o auxílio da ciência econômica disponível. A conta de um erro de planejamento chega para todos e nem um dos desenvolvedores imobiliários mais valiosos do planeta sai impune.


João Paulo Ramalho atua como advisor de Fusões e Aquisições na SG Capital. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pós-graduado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC Minas. Secretário-geral da Comissão de Direito Empresarial da OAB/AL.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Atua como advisor de Fusões e Aquisições na SG Capital. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Especializado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC Minas e pós-graduando em Administração Estratégica pela FIA Business School.

Mais notícias para você